segunda-feira, 18 de junho de 2012

 Sensualidade de forno & fogão

By Andréa Ciaffone

Comida de boteco no Vesúvio, alta gastronomia no Divino e quentinhas cheias de charme num condomínio da zona oeste carioca. Nunca antes na história deste país tantas heroínas globais do horário nobre honraram tanto a culinária em suas mais diferentes facetas. Isso dá o que pensar...Acho que o público está com fome de mulheres que cuidam da casa, que nutrem famílias e que conquistam seus homens pelo seu tempero.

Pode até ser psicologia de bar – ou de blog – mas não consigo evitar pensar que isso revela alguma coisa bem importante sobre o nosso povo. Uma coisa a vida me ensinou: não se pode subestimar a relação entre o que milhões de pessoas em um país veem na ficção e a realidade que eles constroem no dia-a-dia. Se eu fosse metida a besta eu evocaria a teoria da Gestault – viva minhas aulas de História da Arte na Cásper! – então, para parecer mais simpática, vou no popular: se não desse Ibope, essas heroínas não seriam assim.

Até porque nunca foram. Vamos passear pela história do horário nobre. Por exemplo, Júlia Matos (Sonia Braga), a protagonista de Dancing Days (1978) tinha saído da cadeia e, pelo o que me lembro, nunca fez sequer um sanduíche de queijo. Marcou época porque subiu no salto e foi para a balada. Raquel (Regina Duarte) levou um golpe da sua malvada filha, Maria do Carmo (Glória Pires) e passou o maior perrengue e nunca fez sequer um Miojo. Para quem viu aquela novela, que marcou os anos 1980, foi mais fácil descobrir quem matou Odete Roitmann do que um personagem capaz de fazer um hot dog entre os personagens. O fato é que numa sociedade em que as mulheres só queriam mais espaço para viver, trabalhar e consolidar sua emancipação, ir para a cozinha era sacrilégio. 
Nos anos 1990 a coisa não foi muito diferente. A Jade, do Clone, dançava muito – ensallah!!!--  mas nunca fez sequer um tabule para aquele marido maravilhoso dela. Para o coitado do clonado, então, nem um chai. Ai chegamos até a década passada, quando o Brasil  descobriu a cultura indiana. A protagonista ensinou tudo do culto a Lord Ganesha, mas nunca caprichou no chai sem sequer fez uma única sarmosa (é assim que escreve o nome daquele bolinho?). Enfim, como noveleira, não me lembro de outra fase tão forno e fogão.

O fato é que o povo sempre quer ver na TV algo que deseja (mesmo que secretamente) e acho que estamos numa fase de gula. Ou será de fome? Fome pela feminilidade básica, aquela que transforma ingredientes em magia, capaz de unir as pessoas em torno da mesa, de nutrir corpo, alma e coração. E isso não significa que elas sejam boazinhas. Aliás, uma é mais sangue-ruim que a outra. A Gabriela é uma egoísta de marca maior. A Nina é uma tremenda peste, vingativa, mentirosa e manipuladora. Mas arrasa nas quatro linhas do fogão. E, para completar, as bonitinhas de Cheias de Charme, nada tem de santas. A Rosário, mais protagonista que as outras e melhor cozinheira, faz de tudo para vencer na carreira e se aproximou a maluca da Chayenne para ganhar espaço como cantora. Isso sem falar da Penha que encantou o patrão casado com advogada bem-sucedida e – vamos combinar, chatérrima. Do bem, mas chata com aquele constante estou-pressionada-pelo-trabalho.

Taí ,  acho que as pessoas querem protagonistas capazes de transformar o cotidiano ato de cozinhar em uma forma de sedução e não ver na TV o que todo mundo vê o tempo todo: mulheres que trabalham fora e estão sempre exaustas demais para seduzir do jeito mais básico e antigo: com carnes, temperos e fogo na medida certa. 


Um comentário:

  1. Antigamente tinha a tia Nastácia do Sítio, no X-Tudo (TV-Cultura) até criança se virava na cozinha e a Palmirinha na vida real. Tudo isso para balancear a desconexão da realidade nas novelas.
    E o povo está mesmo necessitado disso, tanto que a Palmirinha está de volta, agora na TV a cabo...

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