Sensualidade de forno & fogão
By Andréa Ciaffone
Comida de boteco no Vesúvio, alta
gastronomia no Divino e quentinhas cheias de charme num condomínio da zona
oeste carioca. Nunca antes na história deste país tantas heroínas globais do
horário nobre honraram tanto a culinária em suas mais diferentes facetas. Isso
dá o que pensar...Acho que o público está com fome de mulheres que cuidam da
casa, que nutrem famílias e que conquistam seus homens pelo seu tempero.
Até porque nunca foram. Vamos passear
pela história do horário nobre. Por exemplo, Júlia Matos (Sonia Braga), a
protagonista de Dancing Days (1978) tinha saído da cadeia e, pelo o que me
lembro, nunca fez sequer um sanduíche de queijo. Marcou época porque subiu no
salto e foi para a balada. Raquel (Regina Duarte) levou um golpe da sua malvada
filha, Maria do Carmo (Glória Pires) e passou o maior perrengue e nunca fez
sequer um Miojo. Para quem viu aquela novela, que marcou os anos 1980, foi mais fácil descobrir
quem matou Odete Roitmann do que um personagem capaz de fazer um hot dog entre os personagens. O
fato é que numa sociedade em que as mulheres só queriam mais espaço para viver,
trabalhar e consolidar sua emancipação, ir para a cozinha era sacrilégio.
Nos
anos 1990 a coisa não foi muito diferente. A Jade, do Clone, dançava muito –
ensallah!!!-- mas nunca fez sequer um
tabule para aquele marido maravilhoso dela. Para o coitado do clonado, então, nem
um chai. Ai chegamos até a década passada, quando o Brasil descobriu a cultura indiana. A protagonista
ensinou tudo do culto a Lord Ganesha, mas nunca caprichou no chai sem sequer
fez uma única sarmosa (é assim que escreve o nome daquele bolinho?). Enfim,
como noveleira, não me lembro de outra fase tão forno e fogão.
O fato é que o povo sempre quer ver
na TV algo que deseja (mesmo que secretamente) e acho que estamos numa fase de
gula. Ou será de fome? Fome pela feminilidade básica, aquela que transforma
ingredientes em magia, capaz de unir as pessoas em torno da mesa, de nutrir corpo,
alma e coração. E isso não significa que elas sejam boazinhas. Aliás, uma é
mais sangue-ruim que a outra. A Gabriela é uma egoísta de marca maior. A Nina é
uma tremenda peste, vingativa, mentirosa e manipuladora. Mas arrasa nas quatro
linhas do fogão. E, para completar, as bonitinhas de Cheias de Charme, nada tem
de santas. A Rosário, mais protagonista que as outras e melhor cozinheira, faz
de tudo para vencer na carreira e se aproximou a maluca da Chayenne para ganhar
espaço como cantora. Isso sem falar da Penha que encantou o patrão casado com
advogada bem-sucedida e – vamos combinar, chatérrima. Do bem, mas chata com
aquele constante estou-pressionada-pelo-trabalho.
Taí , acho que as pessoas querem protagonistas
capazes de transformar o cotidiano ato de cozinhar em uma forma de sedução e
não ver na TV o que todo mundo vê o tempo todo: mulheres que trabalham fora e
estão sempre exaustas demais para seduzir do jeito mais básico e antigo: com
carnes, temperos e fogo na medida certa.
Antigamente tinha a tia Nastácia do Sítio, no X-Tudo (TV-Cultura) até criança se virava na cozinha e a Palmirinha na vida real. Tudo isso para balancear a desconexão da realidade nas novelas.
ResponderExcluirE o povo está mesmo necessitado disso, tanto que a Palmirinha está de volta, agora na TV a cabo...